Imóvel adquirido na planta: Ilegalidade de cobrança de comissão de corretagem e Taxa SATI
Há algum tempo, o setor imobiliário brasileiro apresentou crescimento expressivo. O número de novos empreendimentos aumentou substancialmente, com recordes em vendas no ano de 2013, sendo que o crédito para a compra de imóveis chegou a superar o crédito pessoal no país.
Todavia, com o surgimento da crise econômica e o aumento do desemprego, muitos consumidores não conseguiram pagar as prestações do imóvel adquirido, ensejando o desfazimento do negócio. E, sendo assim, o consumidor, na maioria das vezes, sai sempre lesado.
Isto porque, quando o consumidor manifesta o interesse em desfazer o negócio, ou seja, quando pretende a devolução do imóvel, com o percebimento da restituição do valor pago, sempre lhe é oferecida, pela construtora, a devolução de 40% a 60% do valor pago. No entanto, na esfera judicial, caso o consumidor ingresse com demanda objetivando o desfazimento do negócio, sem justa causa, nossos Tribunais têm manifestado entendimento no sentido de que é legal a retenção, pela construtora, de 10% a 25% do preço pago, para suprir despesas administrativas e de marketing, neste caso, devolve-se, ao adquirente, o importe equivalente a 75% a 90% do montante pago. Já no caso do desfazimento se der por culpa da construtora, a devolução do valor deve ser de 100%.
Além disso, muitos adquirentes não possuem conhecimento sobre a ilegalidade de transferir ao comprador, a incumbência do pagamento da taxa SATI (ou ATI) e comissão de corretagem.
Sem que o Adquirente saiba, quando um imóvel é comprado na planta, as construtoras cobram a taxa SATI (Serviço de Assessoria Técnica Imobiliária), a qual é englobada no preço. A cobrança é feita à base de 0,8% sobre o preço do imóvel. Esta quantia é destinada aos advogados da construtora por terem redigido o contrato de compra e venda e também corresponde a serviços correlatos ao negócio.
Porém, o entendimento unânime de nossos Tribunais, é no sentido de que referida cobrança é indevida, eis que a construtora não pode repassar a terceiro uma incumbência que é dela e ainda auferir lucro sobre o valor.
Assim é que o Judiciário tem determinado a restituição do valor referente a essa taxa ao consumidor, com correção desde a data do desembolso e a incidência de juros legais.
Note-se que a cobrança da taxa SATI afronta os direitos do consumidor, porquanto a intenção de contratar o advogado para prestar assessoria jurídica em uma transação imobiliária deve ser ato facultado ao adquirente e não uma imposição da vendedora, a qual destina seu próprio corpo jurídico para atuar na compra e venda.
Atualmente, a cobrança da taxa SATI se tornou costumeira e obscura ao comprador do imóvel, uma vez que não é apresentada de forma explícita. O que ocorre é que essa taxa fica como parte integrante do contrato, de cunho obrigatório, caracterizando, de forma ilegal, venda casada, o que é vedado no nosso ordenamento jurídico, pois fere o inciso I, do artigo39, do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, veja-se julgado proferido pela 4ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP: “COMPRA E VENDA. Imóveis. SATI indevida. Abuso da tentativa de transferir esse encargo ao aderente, expressa ou implicitamente. Venda casada. Art.39, I, do CDC. Repetição simples. Precedentes desta Corte. Prescrição decenal. Pretensão que se funda no enriquecimento sem causa como princípio e não como regra jurídica. Distinção. Sentença mantida. Recursos desprovidos.” (Apelação 0007352-28.2013.8.26.0010, Rel. Des. FERREIRA DA CRUZ, j. 20.5.2015).
Mister esclarecer que os serviços relativos à cobrança da taxa SATI são de total interesse das empresas vendedoras do imóvel e não do adquirente, já que o objetivo de tais empresas é verificar as condições financeiras dos compradores, analisando a viabilidade ou não da contratação, de modo a garantir que seus direitos sejam preservados, daí porque também não pode ser paga pelo consumidor.
Quanto à taxa de corretagem, quando se trata de imóvel adquirido na planta, da mesma forma, referida cobrança é ilegal. Isto porque não há a prestação do serviço de intermediação ou mesmo de aproximação, já que o consumidor dirige-se ao estande de vendas de forma espontânea. Aliás, o estande de venda serve exatamente para isso. Ou seja, funcionários ficam à espera do adquirente.
Além disso, atualmente é praxe no mercado a venda do imóvel com a inclusão da taxa de corretagem, de maneira que não pode haver qualquer insurgência do adquirente, porquanto acarretaria na não contratação.
Outrossim, importa mencionar que a responsabilidade quanto ao pagamento da comissão de corretagem é do vendedor do imóvel, com exceção apenas em alguns casos específicos. Quando o consumidor comparece no estande de vendas, não há como atribuir a responsabilidade a ele pelo pagamento de referida remuneração.
Aliás, a Colenda 3ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Enunciado nº 38-3, já pacificou tal entendimento: “O adquirente se dirige ao estande de vendas para a aquisição do imóvel não responde pelo pagamento das verbas de assessoria imobiliária (corretagem e taxa sati). Nesse caso, é da reponsabilidade da vendedora o custeio das referidas verbas, exibindo legitimidade para eventual pedido de restituição”.
Destaque-se que o consumidor deve ter ampla liberdade de opção quanto ao que deseja consumir (art. 6º, II, CDC), sendo vedado ao fornecedor fazer qualquer tipo de imposição que o vincule ao consumo de outros produtos ou serviços, os quais o consumidor não tenha interesse de adquirir.
No caso do adquirente dirigir-se ao estande de venda, resta evidenciada a imposição de serviços que estão plenamente atrelados à compra e venda do imóvel, refletindo a venda casada.
Contudo, na hipótese de imóvel adquirido na planta e comprado através de estande de venda, as verbas atinentes a comissão de corretagem e taxa SATI repassadas ao consumidor violam o Código de Defesa do Consumidor, por abusividade, devendo ser restituídas.
No mesmo sentido, em recente julgado: “RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL -COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL UNIDADE CONDOMINIAL NA PLANTA – COBRANÇA RELATIVA A TAXA DE CORRETAGEM E DE SATI – COMPETÊNCIA RECURSAL. Compromisso de compra e venda de imóvel Ilegalidade da cobrança relativa à taxa de corretagem e de SATI. Matéria inserida na competência da Subseção I de Direito Privado. Remessa dos autos a uma das Câmaras da Seção de Direito Privado I (1ª a 10ª Câmara). Recurso de apelação não conhecido. Remessa dos autos do processo determinada”. (25ª Câmara de Direito Privado TJ/SP – V. U – Apelação nº 1005599-03.2014.8.26.0004. Des. Rel. Marcondes D´Angelo – jul. 16/03/2016).
Ainda, importante frisar que o prazo prescricional para reaver os valores pagos indevidamente é de 10 (dez) anos. Com efeito, não se aplica à hipótese o artigo 206, § 3º, inciso V, doCódigo Civil. O pleito de devolução tem como fundamento os artigos 39 e 51, IV, do CDC.
Desta forma, os consumidores que adquiriram seus imóveis na planta, por meio de estande de venda, podem ingressar com demanda judicial contra a construtora, dentro do prazo de 10 (dez) anos, pleiteando a restituição dos valores pagos indevidamente, a título de comissão de corretagem e taxa SATI, sendo que referidos valores deverão ser restituídos, corrigidos monetariamente, a contar da data do pagamento e com a incidência de juros de 1% ao mês.
Fonte: JusBrasil – Por Dra. Priscilla Yamamoto Rodrigues, advogada
Informações do STJ sobre o tema:
O Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino determinou a suspensão de todas as ações em trâmite no país que discutem a validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI), bem como a prescrição da pretensão de restituição dessas parcelas. Os temas estão afetados ao rito dos repetitivos no REsp 1.551.956/SP. Processos relacionados: MC 25.323 e Resp 1.551.956 – desde dezembro de 2015.