DA INCOSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO ADMINISTRATIVA MILITAR. REGULAMENTO DISCIPLINAR DA BM.
….Logo, superada, a questão atinente ao julgamento procedido na esfera administrativa, cabe a este juízo apenas a análise da inconstitucionalidade do art.12 do Decreto Estadual n. 43.245/2004. Vejamos.
O Regulamento Disciplinar da Brigada Militar, em sua totalidade tem sido objeto de discussão por se tratar de um Decreto e não de Lei em sentido formal. A respeito, consideração que a Lei Complementar nº 10.990/97 – Estatuto dos Servidores Militares do Estado do Rio Grande do Sul -, em seu art. 35, estabelece que “a violação das obrigações ou dos deveres policiais-militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuserem a legislação ou regulamentação1 especificas”, e no dispositivo imediatamente seguinte (art. 36) estabelece que “a inobservância dos- deveres.especificados nas leis e regulamentos (…) acarreta (…) responsabilidade (…) conforme legislação específica.
Portanto, a própria Lei – Complementar que institui o Estatuto dos Policiais Militares delega explicitamente à norma regulamentadora o estabelecimento das condutas que consistam em possível transgressão disciplinar, inclusive deixando claro, que tais definições decorrerão de “regulamentação” e, na verdade, jamais referindo-se à expressão “Lei”‘ mas aludindo, ao contrario, a “legislação” ou “regulamentação” específicas.
Destaca-se,como já feito anteriormente, que o poder regulamentar, ou poder normativo como também é conhecido na doutrina, é poder-dever conferido aos administradores públicos para fiel execução da lei. Assim, o Constituinte, ciente da impossibilidade de que todas as situações fossem previstas pelo legislador ordinário, atribuiu à Administração Pública o ,poder regulamentar com o fito de proporcionar exeqüibilidade à lei
O poder regulamentar da Administração Pública, destarte, é originário da Constituição e prescinde de previsão legal; será exercido por meio de decreto que é norma gerai e abstrata, porém não é lei em sentido formal. Em outras palavras, não pode criar direitos, e obrigações, bem como extingui-los se a lei não o fez. Sua função é garantir a execução da lei estando por ela limitado.
Assim, o Regulamento1 Disciplinar da Brigada Militar foi aprovado pelo Decreto – n° • 43.245/04, editado com base no artigo 82, inciso V da Constituição Estadual, que autoriza o poder regulamentar do Governador do Estado, para regulamentar o artigo 35 da Lei Complementar n° 10.990/97 (Estatuto dos Militares da Brigada Militar). Não se vislumbra na totalidade do regulamento a inconstitucionalidade, o que deve ser frisado.
O mesmo não ocorre, porém, com a situação específica apontada pelo autor na Inicial: a punição disciplinar consistente em privação da liberdade do servidor militar – genericamente, da “prisão” do servidor, seja qual for o nomem juris que a legislação administrativa conceda, formalmente, a esta “prisão”.
Veja-se que no caso da sanção disciplinar consistente na Detenção do servidor (art. 12 RDBM) vislumbra-se existir, sim, inconstitucionalidade no fato de aquela sanção disciplinar ser estabelecida e definida pela via de Decreto, por afronta direta ao dispositivo do art. .5° , LXI da .Carta – Magna.,, que, assim prescreve: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão disciplinar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
O plural da expressão “definidos”, no texto constitucional, não deixa duvidas de que ela – a expressão – refere-se a ambos os elementos que a antecedem a transgressão disciplinar e o crime propriamente militar.
Dessa forma, diferentemente do conceito genérico das infrações disciplinares e das demais punições daí decorrentes, a questão da privação da liberdade dos cidadãos é tratada, pelo legislador constitucional, de modo especifico e com regramento próprio. A inconstitucionalidade constatada diz somente com a punição na modalidade de prisão, porque desta a Constituição tratou especificamente, determinando que só se faz possível em virtude de lei (o que, por óbvio, dever-se-ia esperar dentro de um Estado de Direito).
As infrações e sanções disciplinares em geral são definidas em lei complementar – a já examinada Lei Complementar 10.990/97 – que, por sua vez, permite sua remessa à legislação regulamentadora -, no caso especifico, o Decreto 43.245/04; por definição constitucional da Carta de 1988, entretanto, a prisão, se pretendida sua utilização como sanção disciplinar, deverá ser precedida de sua criação por lei tanto como ocorre em relação à prisão como decorrência de infração penal. A Constituição é clara nesse sentido, razão pela qual o texto do art. 35 da Lei complementar não está autorizado a remeter ao decreto a regulamentação de sanções que impliquem em cerceamento de liberdade.
E Lei, nesse caso específico, por se tratar de assegurar bem jurídico expressamente garantido pela Constituição Federal – o direito à liberdade há de ser entendida como lei em sentido formal, conforme menciona Jose Afonso da Silva ( in Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed.) : “É absoluta a reserva1 constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal (…)”.
Uma vez tratando-se, portanto, de norma administrativa posterior à Constituição Federal de 1988, o Regulamento Disciplinar da Brigada Militar evidentemente haverá de adaptar-se àquela Carta e, portanto, no que se refere à sanção disciplinar de “prisão” -seja qual for o nomem juris que se dê à privação de liberdade pretendida inserir como sanção disciplinar -, sua instituição não poderá prescindir do devido processo legislativo formal, revelando-se flagrantemente “inconstitucional, a ; norma que
assim não o fizer
Salienta-se que o Decreto, norma tipicamente “regulamentadora” e não “definidora”, é ato típico e dependente unicamente da vontade do respectivo administrador, ao contrário da Lei, que há de ser submetida ao crivo e à discussão de quem tem a atribuição constitucional de elaboração das regras de convivência social e para isso é eleito – o Parlamento.
Tal inconstitucionalidade, de outro lado, é perfeitamente possível de ser reconhecida e declarada pelo Judiciário em controle difuso da constitucionalidade das normas, como de fato ora se o faz. Trata-se de controle de constitucionalidade que pode levar ao reconhecimento da invalidade do ato administrativo.
Ademais, deve-se considerar que inúmeras outras sanções disciplinares existem, no aludido Regulamento Disciplinar que podem, eventualmente,vir a ser aplicadas pela autoridade administrativa ao ora Autor, pela mesma conduta que tenha praticado e com suporte no mesmo procedimento administrativo.
Por todo o exposto, resta claro que deve ser reconhecida a nulidade da punição, aplicada ao autor.
De outra parte, observa-se, a partir do disposto no art. 46, IV do Dec. 43.245/04, que a reclassificação de comportamento orienta-se pelas punições aplicadas e que a punição de detenção em análise pode ter gerado a regressão de comportamento do autor. Ocorre que a punição reconhecidamente nula não pode gerar”nenhum efeito. por essa razão, verifica-se a impossibilidade1 de que a punição aplicada ao autor conforme PADM de notificação disciplinar n° 2 691/PADM/2007 gere efeitos, especialmente sobre a classificação de seu comportamento. Não é possível determinar a reclassificação em comportamento específico,pois não se tem noticias1 sobre eventuais outras punições que possam ter gerado o mesmo efeito. De qualquer sorte, deverá ser determinado à administração militar que se abstenha de considerar a punição declarada nula para o efeito de classificação do comportamento do autor.
possam ter gerado o mesmo efeito. De qualquer sorte
Diante do exposto, julgo procedente a presente Ação Ordinária para declarar inconstitucionalidade do art. 9º, III do art. 12 do Decreto Estadual n. 43.245/2004, que estabelecem penas disciplinares de privação de liberdade e, em conseqüência, anular por inconstitucional, a sanção disciplinar de Detenção por 02 (dois) dias aplicada ao Autor, sem prejuízo de que outra, dentre as previstas no Decreto’ n° 43.245/04 venha a ser aplicada pela autoridade administrativa bem como seus efeitos, especialmente o que se refere à classificação de comportamento.